sexta-feira, 4 de junho de 2021

Marcinha

VIM morar pra cá por causa do meu novo emprego, na construção de um Edifício nesse bairro. Tinha um amigo de infância, chamado Acácio, que já morava aqui há uns dez anos. As noites eram sempre quentes e andávamos pelas ruas do bairro para que eu conhecesse melhor a região. Ele me mostrava todos os lugares em que eu poderia precisar ir, apresentava todas as pessoas que eu precisaria conhecer, enfim, ele fazia tudo para que eu me entrosá-se na vila. Nas quartas ficou definido, por idéia de sua mulher, que eu iria sempre jantar na casa deles. Na primeira vez ela trouxe uma amiga do trabalho para me fazer companhia. Ela tinha uma postura triste de uma mulher cansada, eu não via nela nada de atraente, mas para não ser indelicado esforcei-me para ser gentil. Ela gostou de mim e do modo como eu a tratava dando-lhe atenção. Começamos a namorar, um namoro sem brilho, sem charme, de uma mulher triste com um homem solitário, mas para a Carla, esposa do meu amigo Acácio, aquilo era motivo de festa. Uma noite destas de sexta-feira, fomos ao videoke próximo de casa, para comemorar os sete anos do casamento de Acácio e Carla e duas semanas em que eu e a Marta nos conhecemos. No caminho, andando nós quatro, vimos uma cena diferente de uma garota corpulenta e pouca estatura caminhando ao lado de duas crianças, uma menina de nove anos e um menino de seis anos, e com eles uma mulher, com uns vinte e poucos anos, o tronco curvado para frente e para baixo a fazia andar com o quadril erguido – sofria de uma deficiência física – soube depois, decorrente de um acidente de carro que a deixou daquele jeito para o resto da vida.

    Ela caminhava, mancando, devagar com os olhos sempre para baixo porque sua condição assim a obrigava. A rua era escura e continuamos andando até chegar ao bar, encontramos uma mesa vazia e passamos a noite por lá. Carla cantou algumas músicas e eu percebi no rosto de Acácio uma expressão de orgulho e uma indisfarçável vergonha porque ela cantava olhando nos seus olhos. Pedimos mais cervejas e porções de calabresa e aipim, só a Marta não bebeu, joguei uma partida de sinuca com o meu amigo, voltamos para nossa mesa aonde elas nos esperavam conversando e fomos embora quando o bar começou a esvaziar. No outro dia eu iria trabalhar, para pagar umas horas em haver, virando massa para os pedreiros assentarem os tijolos da construção. Então, deixei Marta na porta de sua casa, dei-lhe um beijo tímido, frio, e fui para minha casa descansar. Na quarta-feira seguinte encontrei Acácio voltando do trabalho e o convidei para tomar uma cerveja antes do nosso jantar com as mulheres, fomos ao bar da Tia como era conhecido aquele lugar e encontramos nossos amigos por lá. Peguei os copos e a garrafa de cerveja, levei até uma mesa do lado de fora do bar aonde teríamos mais privacidade para conversar. “Olha essa morena, cara, eu sou louco para comer uma morena dessa”, “Ué, mas você conhece essa mulher, sabe que ela é facinho de se entregar, vai lá”, “É, mas essa dona aí não gosta da Carla, tem ódio pela minha mulher, se eu vou lá é capaz dessa putinha espalhar a história para o bairro e só de maldade acabar com o meu casamento. Agora você...”, “Eu o quê?”, “Bem, você poderia conhecê-la – comê-la – e depois tirar umas fotos para eu ver se ela é mesmo tudo isso que parece”, “Não, esqueça. Não conte comigo”, rimos muito. “Essa moça é uma puta, anda dando para quem queira comê-la, que mal teria tirar umas fotos dela?” Não queria falar sobre aquilo, não sei ao certo sobre o que eu queria falar com ele, eu estava mais inquieto do que de costume e o Acácio, com seu habito de sempre falar de mulher, não deve ter reparado. Fomos para sua casa observando as mulheres do bairro: as garotinhas de uniforme escolar, as mulheres de terninho e saia voltando do serviço, as do bar procurando quem pagasse uma dose, as donas de casa indo e vindo de uma visita aos parentes, as universitárias correndo nas calçadas só com blusinha e short.

   Nossa alegria se reavivava mais em momentos como esses, “Paulo, eu sou teu amigo ou não sou? Então, vou te dar um conselho que você precisa levar em consideração”, “Pode dizer, Acácio, você sabe o respeito que tenho por você”, “Então meu amigo, vê se larga essa mulher com quem você está, mas antes consiga outra, né? Só não vai ficar sozinho”. Eu entendia muito bem porque ele estava falando aquilo para mim, era porque não tinha amor, ou sentimento parecido, entre eu e a Marta, mas eu ainda não havia pensado em deixar ela. Fiquei sem graça por estar deixando as coisas como estavam, mas depois concordei com ele. “Ô, homem! Não perde a vida do lado de mulher sonsa como aquela, senão meu irmão, tu tá fudido! Está cheio de mulher aqui no bairro, solteira, só esperando para conhecer alguém.” Em casa, foi uma noite mais alegre aquela e até a Marta tomou vinho conosco, depois do jantar – macarronada com almôndegas – ficamos lembrando de fatos engraçados vividos pela gente, contando piadas, falando bobagens. A beijei com mais vontade naquela noite, pensei que talvez Acácio estivesse enganado, a levei para casa e transamos logo que chegamos, estávamos muito excitados. E enquanto eu estava por cima dela, imaginei-me vivendo casado, depois, imaginei estar transando com a morena que vi na rua, eu estava por cima dela como estava com a Marta. Depois, imaginei estar tirando fotos dela satisfeita deitada na cama e quando eu percebi, minha mente mudou de novo de imagem, eu estava transando com aquela mulher que andava encurvada. Vi seu quadril levantado, da forma que o acidente o deixou, a sua bunda era bem carnuda e firme, eu transava com ela de costas para mim, então, comecei a sentir uma enorme repulsa por aquele pensamento depravado. 

   Voltei a me concentrar na transa e gozei o mais rápido que pude, fui para minha casa e não quis pensar em mais nada, só em dormir para começar um novo dia. Demorei algum tempo para tirar da lembrança a cena, imaginada, em que eu estava transando com aquela mulher desconhecida. Passei os dias evitando encontrar a Marta, não conseguia sentir mais nada por ela, a não ser pena de nós dois, também não fui mais a casa dos meus amigos para não encontrar-me com ela. Numa noite dessas encontrei a morena no bar, eu resvalei nela quando ia para minha mesa e pedi desculpas – seu nome era Luana – assim foi o inicio da noite que eu a levei para cama. Ainda no bar, ela falou do seu namorado que estava morando em Portugal, da mãe evangélica que a odiava, do seu cachorrinho. Eu falei sobre as noites na minha cidade natal com meus primos e primas, sobre o pai que eu vim conhecer aqui nesta cidade e sobre o cachorro que fica no terreno em que eu moro de aluguel. Eu tinha combinado de jogar futebol naquela sexta-feira, à noite, e fui com o Acácio para a praça de calção e chuteira pelas ruas. Ele pegou uma batida de coco na mercearia para irmos bebendo, era o nosso aquecimento como dizíamos. Para chegar até a praça tivemos que subir uma subida bem acentuada, ao chegar lá em cima, vi aquela mulher do acidente sentada na frente de sua casa, num lugar muito escuro, mas mesmo assim podia-se ver que tinha beleza. Sentada não era possível perceber qualquer problema em seu corpo, ao contrário, seu curto vestido deixava à amostra suas pernas bem modeladas, seus seios firmes. A cabeleira majestosa transmitia-me a sensação de estar à frente uma mulher muito sedutora e não daquela mulher cheio de pena que eu vi andando pela rua.    

   Passamos ao seu lado e Acácio a cumprimentou, andando sem parar pela calçada, perguntou de sua mãe e ela, era pura melancolia naquela hora, porém respondeu com um sorriso que sua mãe ia bem, obrigado. Fiquei nervoso, continuei andando também, esperava que meu amigo dissesse alguma coisa para recomeçar a nossa conversa, mas ele não falou mais nada. Depois de um bom caminho andado, ele falou: “Essa moça passa as noites assim sentada, sozinha, na frente de casa esperando conhecer algum homem.” Não gostei como ele falou disso, “E não te falei o pior, ela está louquinha de vontade para dar para alguém, mas ninguém se habilita”, “É...?”, “É, só que eu ainda não ganhei uma carteirinha para poder comer uma mulher assim, eu não sei como é que tem que fazer...”, gesticulando os movimentos com o quadril. Gostei menos ainda do que ele disse, então, dei uma risada bem amarela para ele, tomei mais um gole da batida de coco e mudamos de assunto, começamos a falar do aumento das brigas de gangues no bairro. Eu tentava esquecer os muitos sentimentos que passavam pela minha cabeça ao rever aquela mulher. Cheguei à cancha de futebol correndo em volta do campo, depois fiz o aquecimento com bola, três jogadores chutavam ao gol para um goleiro tentar defender. 

   Estava ao meu lado o Zico, o irmão mais novo da Marta, cheirava um pouco a cerveja quando se aproximou de mim e disse “Parabéns Paulo. Então, vai ser papai?” Ele não percebeu que eu não sabia nada daquilo, não demonstrei surpresa, acho que não demonstrei nada na hora. Começamos o jogo com várias faltas para os dois lados, eu corri atrás da bola como quem corre atrás do seu destino, precipitado, fui quem mais levou canelada em campo. Por minha causa Acácio começou uma briga que acabou com o jogo. Eu e o Acácio compramos mais uma batida de coco voltando para casa, fugindo daquela bagunça, no meio do caminho paramos em uma outra praça para bebermos em paz. Então, eu tomei dois goles bem servidos da bebida quente e dei a garrafa para ele, ele fez o mesmo e em minutos acabamos com o litro da batida. Deitei na grama, rolei e ri a vontade, Acácio vendo isso ria alto, segurava a sua barriga que doía de tanto rir, quando me cansei dessa brincadeira, já estava com lágrimas nos olhos, voltei a sentar-me ao lado dele. “Então, seu bêbado vai querer fazer o que, agora?”, “Quero comer a Marcinha?” Ele não entendeu na hora que eu estava falando daquela garota sentada no escuro que esperava companhia. Voltamos para casa mais sérios, havia-se feito uma parede de gelo entre nós dois, passamos na frente de três barzinhos, um próximo do outro, estavam todos bem movimentados. Acácio olhava para mim com desconfiança, porque eu havia o surpreendido, depois de passar na frente dos bares chegamos à esquina que ela morava. A Marcinha estava lá como a nos esperar, olhamos os dois para ela apreensivos, ela percebeu que iríamos conversar com ela e ficou sem jeito de nos tratar. Acácio puxou uma conversa sobre outra vizinha para deixá-la mais a vontade, ela foi perdendo o receio e percebendo que estávamos ficando com tesão na conversa que se estendia, nós oferecemos um pouco da nova batida que tínhamos comprado no bar: ela agradeceu, molhou os lábios e foi só. 

   Estávamos no escuro conversando, logo começamos a tocar a sua pele, ela sorria, eu passava a mão em sua coxa, ela ria, e Acácio deslizava sua mão pelas costas dela. Ela se excitava também, disse que o quarto dela era fora da casa de mãe, pedimos para ir lá conhecer seu quarto. Fomos violentos com ela quando entramos lá – a princípio, ela disse que queria um de cada vez – mas não demos atenção para o que a Marcinha queria, eu puxava ela dos braços de Acácio, para trazê-la para perto de mim, penetrava nela com força e ele logo fazia o mesmo, isso foi até as duas horas da madrugada quando a bebida acabou. No principio, ela se negou a fazer sexo como queríamos, mas ela cedeu, também não queria sexo por traz, nós gozamos várias vezes e continuávamos transando, tocando, beijando ela, foi uma noite animalesca em que fizemos tudo que queríamos e ela se entregou, para nós dois, satisfeita e assustada. Bati sem querer no seu rosto e ela não disse nada, então peguei no seu pescoço e bati de novo, com mais força, enquanto a via sendo possuída por Acácio, ela começou a chorar baixinho, quase um miado, abaixou a cabeça e chorava e gozava de olhos fechados. A construção do Edifício ficou pronta logo depois desse episódio, sai daquele bairro e fui morar em outro mais próximo da nova empreitada. No outro dia, ao que passamos com a Marcinha, surgiu uma história de que ela, milagrosamente, havia se curado de sua deficiência, que estava começando a andar com a postura normal novamente, não sei se é verdade porque nunca mais a vi depois que a deixamos dormindo em seu quarto. Acácio vendeu sua casa no fim do outono e foi morar com sua mulher no bairro em que nos criamos, soube que eles tiveram uma filha, depois daquela noite nunca mais nos falamos. Às vezes, no quarto esperando minha mulher, eu lembro-me do rosto dela – em transe – sorrindo para mim, xingando-me entre os dentes e guspindo seu sangue no meu peito.

1º DE JANEIRO (CONTINUAÇÃO)

Cheguei à Curitiba com uma garafa de conhaque à tira colo. sai da rodoviária perambulando pelas ruas do centro, sem um caminho definido, só pra andar e beber um pouquinho. Acabei parando pra dar uma vomitada, meu estomago doia, sujei meu tênis. Continuei, ao chegar numa ruela - aonde as putas costumam fazer ponto - encontrei uma patota em frente ao bar. parei para comprar cigarros. fiquei por lá um tempo papeando com a galera, meu conhaque rodava pela mão de todos, de gole em gole. Foi quando, do alto da minha embreaguês, eu vi o que me parecia ser o Vitor, "canalha!! larga essa garafa! você já conseguiu minha mulher, que se foda vocês dois! mas a gafara é minha, dá ela aqui!" Fui empurrado pra longe e meu conhaque sumiu em meio a confussão, fui andando pra trás para ver a todos e vinham em minha direção e mesmo assim peitava a todos. "Qualé a tua, cara!?"ao chegar na esquina dobrei-a e sai andando, ninguém me seguiu mais, então, continuei andando. Subi a Matheu Leme e dobrei a rua para entrar no Lago da Ordem. De cara, encontrei minha colega de cursinho, Amanda, estava junto com outros com quem estudei e mais uns desconhecidos. ela me convidou pra ficar por ali.